Rap de uma nota só

Não é possível mais admitir a passividade
Pode me questionar, me acusar e tal
Eu admito até a minha radicalidade
Aos desavisados podem me levar a mal
Ser radical é ir na raiz do problema
Pra ser mais claro: no próprio sistema
Ocupar o espaço que nos foi negado
Tomar de assalto o que nos foi roubado
Entrar na sua faculdade, mas não para varrer
Pra decidir o que o seu neto vai aprender
Não serei mais o réu dentro do seu tribunal
Promotor ou juiz, pra mim está na moral
Então já é: a partir de agora quando eu estudar
Não é pra ser frentista, mas sim um físico nuclear
No seu hospital não serei um varredor
Serei o doutor ou o diretor
Não venha me falar o que já foi falado
Quando criou-se a lei eu não fui consultado
Não é apologia a desobediência
Mas só subvertendo ela irá à falência
A lei não julga a pobreza não
É a pobreza que coloca a lei em questão
Nenhuma lei jamais será capaz
De julgar a pobreza, no papel ela jaz
Para eles tanto faz, direitos são iguais
Na teoria somos gente, na prática animais
Intelectuais direcionam nossas vidas
Quase sempre sofridas, complexadas, oprimidas
Tendências suicidas, tendências homicidas
Reflexo de uma sociedade bandida
Que nos programa, depois reclama se cumprir
Em um momento de fraqueza, de força ou do que preferir

Suas regras não fizeram um mundo melhor
O rap de uma nota só
A lei não julga a pobreza, só a torna bem pior
O rap de uma nota só

Não estou nem aí: expresso minha real
Convivo efetivamente num aborto social
Não me leve a mal pelas minhas palavras
Para ti são pesadas, mas não para minha quebrada
Me acuse de não medi-las conscientemente
Se engane, planejadas milimetricamente
Objetivo distante, mas um dia eu conquisto
Impacto a 30% do previsto
Mal visto? Isso já eu fui desde que nasci
Uma falha do sistema, mas logo percebi
Olhava a minha volta, tragédia sem revolta
Todos anestesiados, algo estava errado
Família comendo ovo para eu estudar
Sistema escolar difícil de se adaptar
A professora reclama da minha redação
Problemas, problemas, problemas então
Sem solução, tratamento em vão
Um garoto fora do padrão
Se liga meu irmão, não seja mais um
Criptografado em apenas zeros e um
Esse é o bum, vê se não perde o barco
Apesar de estar descalço, aperte o seu passo
A ciência avançou muito, como ela avançou
Mas em contra partida a miséria nada recuou
Então do que adiantou avançar
Se só uma minoria poderá desfrutar
Mas se engana quem não acredita no previsto
Dado relatado, fato científico
Daqui a algumas décadas, quem sabe antes
Bilhões e bilhões e bilhões de habitantes
Se essa indignação não acabar
Os responsáveis é quem vão chorar

Sobre Cacau Amaral

Cineasta brasileiro. Direção em 5X Favela; 1 Ano e 1 Dia; Cineclube Mate com Angu; Sociedade Musical Lira de Ouro; Programa Espelho e Aglomerado. https://cacauamaral.com/
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