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Espelho bem humorado da vida comunitária
Muitas idéias a gente segue ruminando assim que assiste ao filme “5 X favela – Agora por nós mesmos”. Ainda na escada rolante, na saída, ouço de alguns parceiros desconhecidos de platéia frases soltas que dão provas de que ninguém sai sem refletir sobre o tema do filme, tão utilizado ultimamente na nossa sétima arte. Estou falando de histórias de favelas.
Fiquei de imediato com uma ideia simplista e rasteira: a de que somos sustentados por nossos pequenos ou grandes sonhos. E por nossa possibilidade em realizá-los. Pelo menos, parte. E assim continuar alimentando a máquina humana de sonhar e conviver.
Nessa perspectiva, ainda na escada rolante, pude vislumbrar algumas possibilidades concretizadas no filme, sobretudo no que diz respeito a resolução de situações de conflito, preconceito e desigualdade. O que acontece, com título calcado em favela, é que não presenciamos apenas o estereótipo já marcado: o da violência. Encontramos jeitos de resolver conflitos com toques de bom humor, alegria e humanidade.
Senti depois, com a cabeça mais descansada que no desenrolar das suas breves histórias – soando a moral de fábulas modernas – encontramos e bem usufruímos desfechos surpreendentes, interessantes, divertidos.
Embora as cenas se passem em favelas do Rio de Janeiro, penso que é a nossa “vida favela” cotidiana que se apresenta na trama e na tela. Muitos de nós vislumbramos e reconhecemos as situações vividas pelos personagens, espelhadas em nosso dia-a-dia. O que pode ser uma oportunidade de repensarmos a nossa vida comunitária, seja ela na escola, na rua, no bairro, no prédio, na cidade, onde somos vítimas ou agentes de preconceitos e violências reais ou simbólicas.
É que na vida, cidadã e urbana, reverbera a maioria dos problemas enfocados pelos diretores, nos episódios que compõem o filme. Os problemas apresentados fazem parte da vida social que corre. É só ligar a televisão agora para saber.
O 5 X do título me deu a ideia de quantificar. Talvez a sequência dos capítulos do filme funcione como se nos preparasse para contar mais um episódio. Do tipo quem quiser que conte outro. O subtítulo – agora por nós mesmos – me trouxe a ida de que cabe aos sujeitos do presente modificar os rumos dessa nossa vida favela, comunitária e cidadã. Tão desarmônica e, por vezes, tão desumana.
“5 X favela – Agora por nós mesmos” é um filme sobre favela no qual a alegria e o lirismo se misturam com a violência que não pertence apenas ao local favela, mas ao espaço urbano onde ela se insere. É uma comédia dramática que mostra mais uma cara (ou alma) brasileira. Nele, os moradores são responsáveis e vítimas da violência. É uma obra múltipla, do nome à produção: fruto de trabalho coletivo de moradores de favelas do Rio de Janeiro. É múltiplo porque foi escrito em oficinas de roteiro nas comunidades carentes. Como filme múltiplo, é desigual, como a realidade que retrata, mas principalmente por expor personagens a facetas variadas, na contramão do mercado, do senso comum e da divisão social estabelecida.
Sete jovens cineastas de comunidades do Rio de Janeiro, formados em oficinas profissionalizantes ministradas por profissionais como Walter Salles, Ruy Guerra e Fernando Meirelles, foram os responsáveis pelas histórias que compõem este filme. Baseado na obra Cinco Vezes Favela, de 1961,produzido por cinco jovens da classe média que subiram os morros para fazer um filme em episódios. Vale dizer que a versão atual foi apresentada em caráter hors concours no Festival de Cannes deste ano. O primeiro episódio apresentado é Fonte de Renda, dirigido por Manaíra Carneiro e Wagner Novais. Com o uso da estratégia que conta do fim para o início, o episódio retrata a trajetória de Maicon (Silvio Guindane), jovem que sonha com a faculdade: algo muito caro para qualquer família pobre da favela.
Arroz com Feijão, a segunda narrativa, é uma mistura de gêneros feita por Rodrigo Felha e Cacau Amaral. Com um final surpreendente, conta as aventuras do pequeno Wesley (Juan Paiva) que, no dia do aniversário do seu pai, se junta com seu melhor amigo Orelha (Pablo Vinicius) para conseguir algo raro para o jantar do pai: um frango.
Luciano Vidigal é o diretor da terceira obra: Concerto Para Violino. Neste, o tráfico de drogas, misturado ao tema da amizade é abordado diretamente, de maneira ríspida e violenta, assim como apresentado em outros filmes conhecidos, como Cidade de Deus.
O próximo episódio, Deixa Voar, de Cadu Barcelos, surge com um clima de tensão e afeto. Flávio é um adolescente de 17 anos que decide enfrentar o medo e ir até a favela rival para recuperar a pipa de seu amigo.
Luciana Bezerra assina Acende a Luz, o último da série, que traz a mensagem de que vale a pena usufruir da vida. Tudo acontece na véspera de Natal, quando toda vizinhança está pronta para comemorar. Porém, o morro está sem luz e o que era para ser uma tragédia se torna cômico e divertido.
Na idéia de levar filme para a sala de aula, penso eu que os episódios poderão ser apresentados aos alunos e, através deles, teremos pano pra manga para muitas reflexões. Há tantos temas que afloram das cenas que fica até difícil escolher. Muito provavelmente o olhar do grupo espectador que poderá suscitar bons assuntos para discussão.
Penso que o modo de contar as narrativas no filme, com humor e suspense, é material estimulador às aulas de leitura e produção de contos e crônicas. Valendo-se do titulo , quem sabe você não enverede a sua turma a investigar uma boa história para contar?
No mais, é deleite e boa diversão.
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