Crítica de Cinema
5X Favela, Agora Por Nós Mesmos, de Cacau Amaral, Cadu Barcellos e Luciana Bezerra
Francisco Taunay analisa o filme ‘5X Favela’
Em 1961, cinco jovens diretores universitários realizaram um filme de episódios sobre as favelas cariocas. O filme, bancado pela União Nacional dos Estudantes, mostrava um olhar da classe média sobre a favela, e foi realizado pelos hoje conhecidos Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirzman e Cacá Diegues. Não vi este filme, mas somente uma parte dele, o curta-metragem Couro de Gato, de Joaquim Pedro. Considero este filme, onde garotos resolvem roubar gatos para vender seu couro a um fabricante de tamborins, um dos melhores filmes já produzidos no Brasil.
Já, este novo 5 X Favela tem o mérito de mostrar um olhar despido de preconceitos sobre a favela, e seus cinco pequenos episódios são dirigidos por moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro. O filme foi produzido através de oficinas de cinema, realizadas nas favelas de Cidade de Deus, Parada de Lucas, Morro do Vidigal, entre outras, capacitando jovens para trabalhar com cinema.
Assim, somente um dos cinco curtas-metragens trata diretamente do tema da violência, prato predileto do cardápio de filmes nacionais, que exploram a imagem de um Brasil pobre e violento. Não só o cinema, mas também os jornais e a TV somente entram nestas comunidades para mostrar sangue e sofrimento. O resultado é que não temos idéia da vida das pessoas que moram nas favelas, neste país repleto de cidades partidas, onde crime e violência são o resultado do conflito entre duas culturas,do morro e do asfalto.
Assim, 5 X Favela é um presente que o país ganha agora em 2010: Um filme que mostra a favela com um novo olhar, um olhar que sempre permaneceu oprimido pela indústria cultural. A música parece haver se libertado primeiro desse jugo, uma vez que o samba e o funk já circulam pelos meios de comunicação. Agora, um filme realizado dentro da favela, por moradores da favela, que vai rodar o mundo todo, é realmente um fato admirável, independente de suas qualidades técnicas.
Estas, por sinal, são boas; com exceção de alguns planos um pouco ingênuos, os filmes possuem qualidade. Os destaques são “Deixa Voar”, de Cadu Barcellos, onde um garoto precisa entrar numa favela inimiga para buscar uma pipa e “Acende a Luz”, de Luciana Bezerra, filme meio felliniano sobre o concerto da rede elétrica em uma comunidade.
“Arroz com Feijão”, de Rodrigo Felha e Cacau Amaral, também possui bons momentos, quando uma dupla de garotos resolve roubar um frango para dar de presente ao pai de um deles. O melhor momento deste filme é quando os garotos são assaltados por um bando de estudantes filhinhos de papai.
5 X Favela pode ser a pedra fundamental para uma produção de cultura mais democrática, que não privilegie um ponto de vista preconceituoso e nem assistencialista sobre o morro. Considerando que os filmes brasileiros são poucos e criados por membros da elite privilegiada, e considerando também que a grande maioria destes fracassa enquanto produto comercial e como obra de arte, por que não democratizar mais a produção dos filmes? Talvez incentivar mais filmes com orçamento menor, ou mesmo, como acontece nos países sérios, investir diretamente no cinema o lucro da televisão.
Evidente que esse é um trabalho árduo; não adianta somente dotar as pessoas de meios para realizer filmes, é preciso também possibilitar seu acesso a filmes que ampliem o olhar, que o libertem. Na França, um programa do governo criou um acervo de 100 filmes, escolhidos por um grupo de notáveis como os melhores de todos os tempos, para toda a escola pública. Lá, os alunos podem assistir e pegar esses filmes, que fogem da estética de explosões e tiros dos blockbusters.
Os planos do filme são mal realizados quando se trata de mostrar algum flashback, relacionado à memória dos personagens ou ao universo dos sonhos. Parece que existe nestes diretores uma espécie de dificuldade em mostrar o imaginado. Todo homem precisa sonhar, mas para isso é necessário que ele tenha as mínimas condições para a sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, nós não precisamos somente de meios materiais, mas também de cultura, de arte, os alimentos da alma!
Em uma situação ideal, que pode acontecer no futuro, todos nós seremos capazes de encontrar beleza em todas as pequenas coisas. Todo ser humano possui uma parte misteriosa, algo indeterminado e incompleto, isso não é sentido porque nossas vidas são tão atribuladas que esquecemos desta dimensão da beleza que nos rodeia. Cada ser vivo possui beleza, e deve ser respeitado; nada como ver o olhar do outro para descobrir em algum lugar o seu valor. Este ato é maravilhoso, e me foi proporcionado pelo filme.