Reflexões sobre o preconceito – fotojornalismo

Fotografar o real

Fronteiras entre territórios e ética

Por Cacau Amaral

“Fotografar ou não fotografar? Eis a questão”

Muitas vezes nos encontramos diante desse dilema, principalmente quando nos percebemos envolvidos por uma questão ética. Até que ponto o poder de uma lente deve fazer a interface do fato com o público? E até que ponto ele, o público, deve ser “preservado” das diversas realidades que nós, comunicadores, vivenciamos?

Os vencedores do Prêmio Word Press Photo 2012, Samuel Aranda e Alejandro Kirchuk, levantaram estas e outras questões sobre as fronteiras entre o real e a ficção, durante o debate nesta quinta, no Instituto Cervantes, em Botafogo. A medição ficou por conta da também fotojornalista, Kita Pedroza.

Criei esta página, entre outras coisas, com o objetivo de discutir questões cinematográficas e acredito ser oportuno o momento que presenciei com os fotojornalistas. Mesmo porque as fronteiras entre o real e o ficcional são elementos muito importantes em nossos filmes, principalmente pelo momento que vivemos no Rio de Janeiro, onde os eventos de ocupações das favelas têm cobertura on time pelos moradores destas, através das mídias sociais e dos diversos veículos que transformam a cada dia a maneira de informar.

A discussão documentário ou ficção, verdade ou mentira, docudrama, ou como quisermos chamar, assim como no cinema é uma constante também no fotojornalismo. Qual seria, se é que existe, a fronteira entre o fotojornalismo e o fotodocumental? O fotodocumentário tem mais tempo para ser trabalhado. Ela precisa de um tempo maior de reconhecimento entre quem fotografa e o objeto. Já no fotojornalismo esse tempo é restrito, pois a matéria quase sempre deve ser publicada em um curto prazo.

Samuel Aranda é espanhol. Vencedor do Prêmio Word Press Photo 2012, na categoria “Foto do ano”. Sua foto apresenta uma mulher segurando um homem ferido no colo. Captada durante a Primavera Árabe, no Iêmen. O fotógrafo cobriu vários conflitos na África, em Gaza, no Líbano, no Egito. Acredita que uma coisa essencial para a profissão é mostrar por exemplo que uma pessoa do Iêmen tem as mesmas necessidades que nós, na América ou na Europa.

Samuel Aranda

Alejandro Kirchuk, argentino, primeiro lugar na categoria “Vida cotidiana”. Suas fotos retratam o dia a dia de seus avós, desde o momento em que descobriram que sua avó tinha a doença de Alzheimer. A partir de então, seu avô teve uma mudança significativa em sua vida e a dedicou exclusivamente ao tratamento da esposa, até o dia de sua morte.

Alejandro Kirchuk

A grande diferença entre os dois trabalhos é que Samuel fotografa pessoas desconhecidas, em outros países. Já Alejandro prefere projetos com pessoas próximas. Além do projeto de seus avós, Alejandro trabalhou em outros dois projetos, um sobre o nascimento e os primeiros meses de seu afilhado e outro sobre o futebol na Argentina.

Segundo Alejandro, a maior fronteira na fotografia é tomar a decisão de fotografar ou não determinadas situações. Ele teve que tomar decisões importantes sobre questões éticas de expor ou não seus avós, mas sempre que se via diante de tal questão lembrava de sua vocação para o fotojornalismo e de como seria importante que outras pessoas tivessem acesso aquele drama e de certa forma aprendessem algo com seu trabalho.

Para Samuel, precisamos tomar cuidado com a tecnologia. Além da facilidade para trabalharmos, ela nos trás a possibilidade de edição das fotos, o que seria perigoso para a questão ética. Outra preocupação é que existe um filtro nos meios de comunicação. Muitas vezes as fotos interessantes não conseguem espaço na mídia e não são publicadas. Citou o exemplo de uma série de fotos que fez de mulheres árabes que dançavam uma música da Shakira em protesto. Uma dança sensual que deflagrava uma vontade da mulher árabe que é desconhecida para o público ocidental. Samuel nunca conseguiu publicar essas fotos.

As situações descritas pelos dois fotógrafos são bem parecidas com as que vivemos no Rio de Janeiro; no cinema e em toda comunicação social. As fronteiras éticas sobre o que mostrar ou não mostrar são uma constante em nosso dia a dia. As barreiras e os ruídos, principalmente causadas pelo preconceito contra a favela, também são situações muito familiares pra gente. E como podemos perceber em outros textos desse espaço: “o mesmo vento que venta aqui, também venta lá”.

Sobre Cacau Amaral

Cineasta brasileiro. Direção em 5X Favela; 1 Ano e 1 Dia; Cineclube Mate com Angu; Sociedade Musical Lira de Ouro; Programa Espelho e Aglomerado. https://cacauamaral.com/
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