Viela 17: Cinema e Hip Hop em 20 de 40

O que Portis Head e Viela 17 têm em comum? Acho que a maioria esmagadora do público de cinema e hip hop poderia dizer que nada. Mas quando apertei o play do 20 de 40, novo disco do Viela 17, viajei em uma situação que me motivou a escrever esse texto. O disco começa com uma cena realista onde o protagonista da história está em casa ouvindo Isaac Hayes, com Walk on By. Aos poucos a abordagem direta vai se transformando na música, Inimigo Oculto, e o que antes era uma trilha sonora casual se transforma em parte da composição do próprio instrumental do rap.

Hoje sou fã incondicional de Isaac Hayes, mas nem sempre foi assim. Lembro de sampleá-lo para compor a música O Julgamento; do disco Homens pelo fim da violência contra mulher, que aliás teve grande apoio do Japão, do Viela, em sua concepção. Bem antes disso, ouvi o sample da música Ike’s Rap 2 de Isaac na música Glory Box do fantástico disco de estréia do Portis Head, Dummy. Pra quem não se familiarizou, aquela que o Racionais sampleou em sua versão de Jorge da Capadócia. Piveti do Pavilhão 9 também bebeu nessa fonte em seu primeiro disco solo, sampleando Walk on By. Isaac também mandou geral no cinema. Arrebatando o Oscar de Melhor Trilha Sonora com Shaft. Mas a primeira vez que tive o prazer de ouvir Isaac, ou um sample dele, foi em um dos primeiros discos do GOG, grupo onde Japão iniciou sua carreira.

Outro dia, estava em Brasília para uma série de encontros entre o hip hop e o governo e, em um momento de relax, saímos do centrão em direção a periferia. Mas precisamente Ceilândia. Fazia uma semana que estávamos em Brasília, com sua avenidas imensas. Tive um pequeno impacto inicial que foi sentir a falta dos bares, das esquinas, das coisas que estava acostumado em meu bairro. Depois de alguns quilômetros de estrada, adentramos na Ceilândia e a identificação foi imediata. As casas, as ruas, as pessoas. Muito parecido com a Baixada Fluminense. Fomos para casa do X, ex Câmbio Negro. Fui apresentado a ele por Def Yuri e Fábio ACM. Quando chegamos, o X ligou para o GOG e viramos aquela noite ouvindo rap e contando histórias. Tive um momento mágico. Estar com duas de minhas maiores referências, musicais e políticas.

Lembrei desse momento porque é impossível pensar em Japão e não se ligar automaticamente em Ceilândia. Até porque mesmo que quisesse, que não é o caso, o disco faz questão de te lembrar a cada faixa, que a Cei é a parada. O carinho que GOG e X demonstraram a respeito de Japão, o moleque doido, contribuíram muito para aumentar minha admiração a esse grande artista. Mas voltando ao 20 de 40, Crise Sonora se apresenta como um convite ao Old School Rap. É difícil para mim conseguir manter uma distância do objeto ao qual escrevo, porque desde o início me sinto motivado e aumentar e aumentar o som. Pra falar a verdade, faz muito tempo que não ouço um disco assim. Seria a produção cirúrgica do Raffa, a causa dessa magnífica obra? O carisma do Japão? Seja lá o que for, ao término da décima oitava faixa, senti uma tremenda vontade de fazer um som.

20de40

Sobre Cacau Amaral

Cineasta brasileiro. Direção em 5X Favela; 1 Ano e 1 Dia; Cineclube Mate com Angu; Sociedade Musical Lira de Ouro; Programa Espelho e Aglomerado. https://cacauamaral.com/
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Uma resposta para Viela 17: Cinema e Hip Hop em 20 de 40

  1. Tarcísio Pinheiro disse:

    Parabéns japão você é mais que merecedor de todo o reconhecimento que vem tendo em vários campos dentro e fora do rap!

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